5 novos livros para pensar sobre as condições do negro no Brasil

Escritores negros e descendentes de negros começam a manifestar em seus escritos o comprometimento com a etnia. Uma literatura que revela visões de mundo, ideologias, singularidade cultural.

“Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência.”

(Solano Trindade/1908-1973. Trecho do poema presente na coletânea Violão de rua, 1962)

O negro no Brasil, no passado e no presente

Foto: Reprodução

Biografias de grandes mulheres negras desconhecidas dos brasileiros são recuperadas por uma jovem cordelista.

A trajetória de um dos mais importantes (e desprezados) escritores negros do País é investigada por uma renomada historiadora e antropóloga.

Fatos e personagens que construíram o continente que está na base da formação do Brasil são escritos por um africanista de 75 anos.

Tomando como ponto de partida a identidade negra, um famoso astro da TV revisa o curso de sua vida.

Por último, um negro africano escravizado em Pernambuco narra o que sofreu antes de fugir para os EUA.

A abordagem de uma forma singular sobre o significado de ser uma pessoa negra no Brasil, no passado e no presente, estão presentes nestes cinco livros que chegaram este mês as livrarias:

15 Heroínas Negras em Cordéis – Jarid Arraes

Foto: Divulgação

A escritora Jardi Arraes é filha e neta de cordelistas do Ceará.

Durante 4 anos ela pesquisou a trajetórias de mulheres negras que defenderam seus direitos e batalharam por seus espaços em solo brasileiro. Até então estavam às margens da História oficial, quinze desses enredos de vida foram adaptados para a literatura de cordel (poesia popular escrita em folhetos geralmente na forma rimada).

Na lista de grandes mulheres negras estão princesas e rainhas africanas como Aqualtune, Zacimba Gaba e Na Agontimé, sequestradas como escravas para o Brasil. Estas mulheres lideraram revoltas e mantiveram quilombos fortes e hoje são inspirações para a população negra invariavelmente oprimida do País.

A autora explicou: “São mulheres de épocas diferentes, de estados diferentes e que lutaram batalhas diferentes. Entre escritoras, ativistas, líderes quilombolas e de revoltas contra a escravidão, escolhemos 15 heroínas negras que marcaram nossa história e nos deixaram um legado importantíssimo”. (Huffpost Brasil)

Além dos perfis em cordéis, a edição traz todas as histórias também em formato de prosa. O projeto gráfico e as ilustrações de Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis são assinados pela designer e ilustradora negra Gabriela Pires.

Na Minha Pele – Lázaro Ramos

Foto: Divulgação

Lázaro Ramos, 38 anos, um dos artistas mais populares na defesa de uma maior representatividade negra na mídia. Além de atuar na televisão, teatro e cinema e escrever livros infantis, o astro soteropolitano também comanda o programa Espelho, na TV Brasil, que traz entrevistas com personalidades da cena cultural brasileira, abordando em geral assuntos ligados à questão racial no Brasil.

Seu primeiro livro destinado ao público adulto, Na Minha Pele foi lançado pela editora Editora Objetiva (do Grupo Companhia das Letras).

A obra não é uma autobiografia, e traz textos que propõem diferentes conversas com o leitor. “Ele tem uma seleção de depoimentos, opiniões e dúvidas sobre diversos temas: afetividade, política afirmativa, coragem, estética, estratégia de sobrevivência e inspirações”. ( O Globo)

O livro contém todos os ingredientes para reverberar e provocar boas discussões na internet, ambiente que o ator e sua esposa, a atriz Taís Araújo, são ativos, declara Lázaro Ramos: “As redes sociais têm exercido um papel fundamental na difusão dessas vozes, propagando novos valores, questionando regras tidas como estabelecidas, oferecendo novas percepções estéticas (…) Destampou-se um número grande de desejos e vozes que não se calam e se expressam. E nós, enquanto nação, precisamos ter capacidade para lidar com isso”.

Lima Barreto: Triste Visionário – Lilia Moritz Schwarcz

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Lilia Moritz Schwarcz, uma historiadora e antropóloga que passou mais de uma década debruçada sobre obra e a vida de Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor negro e marginal responsável por, pelo menos, duas obras singulares na literatura brasileira: Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) e Clara dos Anjos (1922). 

Uma biografia ousada. Catatau de mais de 600 páginas, Lima Barreto: Triste Visionário explora a trajetória do escritor carioca a partir da questão racial. A autora argumenta: “Ele achava que os negros só poderiam ser socialmente integrados através da luta e do constante incômodo. Por isso, denunciava que a escravidão não acabou com a abolição, mas ficou enraizada nos menores costumes mais simples”. (Revista Cult) 

Barreto em seus escritos criticava o racismo, a corrupção e o feminismo vigente que, segundo ele, excluías as mulheres negras. O escritor teve ainda uma dolorosa experiência manicomial, que também foi registrada em livro, Cemitério dos Vivos, publicado postumamente.

“É um autor de muito alento para essa nossa agenda contemporânea neste momento em que a República vive uma crise tão forte, e que os nossos valores democráticos e direitos de cidadãos estão sendo colocados tão em questão”, completa Lilia. 

Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI – Nei Lopes e José Rivair Macedo

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Nei Lopes, 75 anos de idade, um pesquisador, romancista, cantor e compositor.

Ele acaba de lançar seu Dicionário de História da África – Séculos VII a XVI, pela editora Autêntica, em parceria com José Rivair Macedo, e procura com seu novo trabalho ressaltar que os africanos foram os protagonistas na construção de sua própria História.

O livro explica as diferentes etapas de formação do continente, mostrando desde a organização social até a criação de Estados e Impérios. O leitor tem acesso também às informações referentes aos embates entre cristianismo, o Islã e religiões tradicionais no continente e também sobre as disputas em torno das rotas de comércio.

Nei Lopes um Africanista autodidata, tem formação em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, contou que começou a fazer pesquisas e escrever livros sobre a África “porque havia e ainda há um desconhecimento muito grande em relação à história e à cultura africanas e afro-brasileiras”. (O Globo)

Também autor de outros dois livros que abordam a diversidade e a riqueza do continente africano – Bantos, Malês e Identidade Negra (1988) e Novo Dicionário Banto do Brasil (2003).

Em suas obras Lopes propõe uma visão de africanidade para além do ponto vista da escravidão.

“Esse dicionário mostra o fundamento do continente. A África não era uma selva só, essa visão que Hollywood ajudou a moldar. Construir essa visão da África foi um projeto estudado. Aí nossos filhos e netos ficam com a autoestima no pé”, relatou.

Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua – Mahommad Gardo Baquaqua

Foto: Divulgação

Mahommah Gardo Baquaqua, nasceu de uma família mulçumana no final dos anos de 19820, no reino de Bergoo (atual Benin), na África Ocidental. Na juventude, se tornou escravo onde vivia. Em 1845, foi traficado para o Brasil, desembarcando em Pernambuco, onde serviu de escravo a um padeiro.

Dois anos depois, ele escapou numa embarcação comercial. Liberto por abolicionistas de Nova York, seguiu para o Haiti e depois para o Canadá, onde escreveu sua autobiografia.

Lançada em 1854 nos EUA, a Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua estava restrita ao círculo acadêmica até maio deste ano, quando ganhou finalmente uma versão em português pela Editora Uirapuru.

A obra traz um relato da escravidão do Brasil em primeira pessoa, detalhes do cotidiano da época, dos ambientes sociais e familiares e dos duros castigos que os negros escravizados sofriam no País.

O tradutor e organizador do livro, Lucciani Furtado, falou sobre o destaque que Baquaqua dá à descrição da violência que sofria em solo brasileiro: “Há uma ênfase na violência sofrida por ele e por outras mulheres e homens escravizados. Somente a escrita pode dar importância a esses detalhes e, mesmo assim, por muito tempo as pessoas se recusaram a acabar com a escravidão. A brutalidade de um trauma violento pode ser mais fácil de suportar do que a brutalidade da insignificância”. (Revista Trip)

Furtado passou quase seis anos trabalhando no livro, que traz também retratos e registros de documentos inéditos da época.

De acordo com o tradutor, Baquaqua era uma pessoa especial que todos gostariam de ser. “Se ele sofreu foi porque teve que enfrentar contingências sobre-humanas. E ele foi um verdadeiro herói”, concluiu Lucciani Furtado.

Com informações: Huffpost Brasil / Ceert -Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades / Scoopnest 

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