Bodega do Manoel Virgílio: patrimônio cultural imaterial da cidade de Remígio-PB

Por Arlindo Cabocllo


Uma bodega é uma pequena venda de secos e molhados. Mas para os nordestinos a bodega é muito mais que um simples ambiente de venda. Ela tem uma aura que transcende, que vai além da simples relação comercial de compra e venda entre o proprietário e os clientes para um ambiente de acolhimento, de longas prosas e confiança mútua adquirida entre as pessoas que a frequentam.

Era nas bodegas do interior, próximo a sua casa, que se encontravam quase de tudo para comprar. Nelas podíamos encontrar parafuso de cabo de serrote, cabresto, cangalha, pregos, peixeira com a opção de adquirir com a bainha, cabaço, armador de redes, enxada, enxadeco, alpercatas, chicote, chocalhos de todos os tamanhos, variados frascos de confeitos, candeeiro, querosene, pão, bolachas, fumo de rolo, rapadura, óleo, sabão em barra, sacarias de açúcar, milho, arroz, fubá, feijão e farinha, o rolo de mortadela e réstias de alho penduradas na prateleira onde ficavam a cajuína e as aguardentes de boa procedência…

Tão sortida

A bodega era tão sortida que uma tarde não é suficiente para catalogar todos os produtos nela existente. Porém, não podemos esquecer de mencionar a manta de carne de charque ao lado da balança, do balde de sardinha “pior sem ela” encostado no canto da parede, as folhas de papel de embrulho dispostas em cima do balcão de madeira e, num cantinho, protegido de possível extravio, a caderneta de fiado com os nomes das pessoas que empenharam suas palavras para honrar no final do mês o pagamento da dívida contraída assim que recebesse o salário ou o dinheiro de algo que havia vendido a prazo.

Com o passar do tempo e a chegada da modernidade, as bodegas perderam espaço para os supermercados e outras lojas afins. Mas em Remígio, cidade localizada no brejo paraibano, graças à persistência e à força de vontade de Seu Manoel, podemos ainda encontrar uma típica bodega do interior nordestino, a Bodega do Manoel Virgílio. Fruto do trabalho de Seu Manoel Virgílio, esse nordestino de fibra que migrou para o sudeste do país em cima de um caminhão pau de arara em busca de trabalho. Mas apesar da viagem e distância de suas raízes nordestinas, o seu espírito permaneceu em terras paraibanas, com a certeza que em breve estariam unidos novamente por amor à terra e às suas origens. Com isso, tão logo surgiu a oportunidade, Seu Manoel pediu demissão do trabalho e com o dinheiro de sua indenização trabalhista retornou a Remígio para 1962 fundar sua bodega.

Majestosa 

Hoje, 61 anos depois, ainda está lá, a Bodega do Manoel Virgílio, majestosa às margens da rodovia PB-105, construída na esquina de uma rua enladeirada, com sua calçada retinha, suas várias portas inteiriças beijadas pela luz solar do alvorecer e do entardecer, as fortes linhas de madeira de lei como braços titânicos a sustentar a cobertura, em cima do balcão de madeira uma imponente balança Filizola vermelha com seu prato no aguardo do produto a ser pesado, os copos americanos a descansar – com a boca quase para baixo – num suporte de madeira pregado na parede à espera da aguardente acariciar sua parte interna, ao fundo o colorido das garrafas enfileiradas nas divisórias das prateleiras se destacam na pintura clara do recinto, como também outros tantos diversos itens pendurados em algum espaço ornam seu interior.

Mantém a essência

Mesmo sem oferecer à sua clientela todos os produtos que disponha nos tempos iniciais de sua fundação – devido a concorrência de outros estabelecimentos comerciais específicos, a Bodega do Manoel Virgílio mantém a essência, o ventre acolhedor de outrora e é ponto de visitação obrigatória para quem quer experimentar ou reviver ser atendido numa tradicional bodega interiorana. É só adentrar na Bodega do Manoel Virgílio, sentar em um dos seus tamboretes, apoiar os braços numa das mesas cobertas por uma toalha florada, tomar umas lapadas de cachaça brejeira e prosear com o próprio Manoel Virgílio é a certeza que fará um retorno temporal ao passado degustando como tira-gosto um verdadeiro manjar da história, das estórias e da experiência de vida desse grande homem, o qual se orgulha de honrar sua família, seus amigos e atribuir tudo que conquistou ao seu trabalho digno sob as bênçãos de Deus. Como um autêntico caba da peste sem meias palavras diz: “não devo nada a nenhum “fela” da puta. Tudo que consegui foi com muito trabalho e a proteção de
Nosso Senhor.”

No vigor dos seus 84 anos de idade, com uma memória ímpar, Seu Manoel Virgílio, no período da tarde, ainda faz questão de estar na sua bodega para atender os amigos clientes e claro, sem abrir mão de uma boa conversa. Vida longa a Bodega do Manoel Virgílio! Vida longa às nossas bodegas nordestinas!


Fotos: Arquivo pessoal | Divulgação – Conexão Boas Notícias 


 Arlindo Cabocllo

Professor, geógrafo e escritor. Natural de Arcoverde, Pernambuco. Graduado e licenciado em Ciências Geográficas pela Universidade Federal da Paraíba. Professor da rede de ensino estadual da Paraíba. Autor do livro O Caranguejo Santo.

Desenvolve no Instagram o Projeto Live Entrevista, no qual conversa com as mais variadas personalidades da sociedade e é proprietário do canal Cipoada Nordestina, este voltado para divulgar as potencialidades naturais, políticas, artísticas, culturais, literárias, arquitetônicas e humanas do Nordeste. 

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Edição: Josy Gomes Murta


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