Covid: por que ventilar ambientes é mais importante do que limpar compras

Menor que 1 em 10.000. Cada contato com uma superfície contaminada tem menos de 1 em 10.000 chances de causar uma infecção, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), agência de saúde pública dos Estados Unidos.

O órgão atualizou neste mês (05/04) as informações sobre transmissão do coronavírus por superfícies e reconheceu que o risco é baixo — uma constatação que alguns pesquisadores vêm apontando desde o ano passado.

“É possível que as pessoas sejam infectadas pelo contato com superfícies ou objetos contaminados, mas o risco é geralmente considerado baixo.”

Segundo o CDC, o risco relativo de transmissão do SARS-CoV-2 por superfície “é considerado baixo em comparação com contato direto, transmissão por gotículas ou transmissão aérea”.

“Os resultados desses estudos sugerem que o risco de infecção por SARS-CoV-2 através da rota de transmissão de fômites é baixo e geralmente menor que 1 em 10.000, o que significa que cada contato com uma superfície contaminada tem menos de 1 em 10.000 chances de causar uma infecção”.

“Alguns estudos estimaram os riscos de exposição principalmente usando dados de quantificação de RNA SARS-CoV-2 ambientais externos.” 

O risco de contágio pelo ar varia muito, dependendo de fatores como quantidade de pessoas, ventilação, tempo de exposição e uso de máscaras adequadas.

Ambiente interno

Quando uma pessoa com suspeita ou confirmação de COVID-19 está dentro de casa, o vírus pode permanecer suspenso no ar por minutos a horas. O tempo que o vírus permanece suspenso e é infeccioso depende de vários fatores, incluindo carga viral em gotículas respiratórias ou em pequenas partículas, perturbação do ar e das superfícies, ventilação, temperatura e umidade.

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“O uso de máscaras de forma consistente e correta pode reduzir substancialmente a quantidade de vírus em ambientes fechados, incluindo a quantidade de vírus que atinge as superfícies.”

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Com base em dados epidemiológicos e experimentais limitados, o risco de infecção ao entrar em um espaço onde uma pessoa com COVID-19 esteve é ​​baixo após 24 horas. Durante as primeiras 24 horas, o risco pode ser reduzido aumentando a ventilação e aguardando o máximo possível antes de entrar no espaço ( pelo menos várias horas, com base em casos de transmissão aérea documentados) e usando equipamento de proteção individual (incluindo qualquer proteção necessária para o produtos de limpeza e desinfecção) para reduzir o risco. Certas técnicas podem melhorar o ajuste e a eficácia da filtragem das máscaras.

Veja os graus de risco de contágio em atividades cotidianas, segundo a Associação Médica do Texas (TMA, na sigla em inglês).

Foto: Reprodução

A atualização da agência dos EUA é o mais recente episódio do debate sobre o grau de importância dado à higienização de superfícies durante a pandemia, em comparação a outras medidas preventivas.

Em 2020, ao mesmo tempo em que o coronavírus começou a se espalhar, o hábito de lavar todas as embalagens logo depois de fazer as compras no mercado se popularizou. A orientação de limpeza dos produtos reflete a tentativa de evitar a contaminação quando alguém toca uma área ou objeto contaminados e depois leva a mão ao rosto.

Alerta

No entanto, conforme os cientistas foram conhecendo melhor o comportamento do vírus, muitos especialistas começaram, ainda em meados de 2020, a alertar sobre o que consideravam um foco exagerado na transmissão por superfície contaminada, enquanto os cuidados com transmissão pelo ar ficavam em segundo plano.

A epidemiologista Adélia Marçal dos Santos, especialista na dinâmica de transmissão de doenças infecciosas e professora de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, diz que “uma coisa que dificultou muito a contenção da doença no mundo inteiro foi a dificuldade de admitir a transmissão aérea do vírus”.

Gráfico de transmissão do vírus por gotículas ou aerossóis. Fonte: OMS | Reprodução

Foi em julho de 2020 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que havia evidências de que o coronavírus podia se espalhar por minúsculas partículas suspensas no ar e que a transmissão aérea não podia ser descartada em ambientes lotados, fechados ou mal ventilados.

O CDC atualizou em outubro de 2020 suas diretrizes sobre os tipos de transmissão do coronavírus e passou a incluir os aerossóis, considerando que a transmissão pode ocorrer pelo ar. Esse entendimento é importante, segundo os especialistas, exatamente para destacar a importância de evitar locais com ventilação ruim ou com muitas pessoas aglomeradas.

No Brasil, a página do Ministério da Saúde atualizada em abril de 2021 menciona, sem entrar em muitos detalhes, que o coronavírus “é transmitido principalmente por três modos: contato, gotículas ou por aerossol”.

‘Teatro da higiene’

A expressão teatro da higiene (usada primeiro em inglês: hygiene theater) virou o símbolo das situações em que medidas insuficientes ou ineficazes dão uma falsa sensação de segurança em relação ao combate ao coronavírus.

O termo foi usado em um artigo do jornalista Derek Thompson, na revista The Atlantic, em julho de 2020, no qual o autor argumenta que “o teatro de higiene pode retirar recursos limitados de objetivos mais importantes”. A matéria descreve ações como a simples limpeza de cardápios em restaurantes e a desinfecção de assentos e paredes no metrô de Nova York.

Imagine um estabelecimento com funcionários fazendo a desinfecção de superfícies com alguma frequência, mas sem medida alguma para garantir uma boa ventilação do local ou para exigir o uso de máscaras apropriadas. Essa é a descrição de uma situação que poderia dar a falsa sensação de segurança, segundo o engenheiro biomédico Vitor Mori, membro do grupo de pesquisadores Observatório Covid-19 BR.

“O teatro da higiene é o ato de desinfetar tudo o tempo todo. Porque é algo mais concreto, visual… Vemos que algo está sendo feito e isso nos dá uma falsa sensação de conforto e de segurança”, diz Mori.

Ao canalizar nossas ansiedades em rituais de limpeza vazios, perdemos o foco nos modos mais comuns de transmissão de COVID-19 e nas políticas mais cruciais para deter essa praga. “Meu objetivo não é relaxar, mas sim focar no que importa e no que funciona”, disse Goldman Emanuel, professor de microbiologia da Rutgers New Jersey Medical School. Ele também enfatizou a primazia da transmissão pessoa a pessoa pelo ar.

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“Máscaras, distanciamento social e atividades em movimento ao ar livre. É isso. É assim que nos protegemos. É assim que vencemos essa coisa.”

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Homem caminha por Londres de máscara: Foto: Reprodução
Túnel de desinfecção instalado em uma estação de trem em Nairobi, Quênia – NJERI MWANGI/REUTERS – NJERI MWANGI/REUTERS | Reprodução

O que ele recomenda, no entanto (depois da dica número um, que é “fique em casa o máximo que conseguir”), é que as pessoas prestem mais atenção em medidas como: priorizar ambientes ao ar livre (ou com a maior ventilação possível), fazer distanciamento físico e usar boas máscaras, bem ajustadas ao rosto.

Se por um lado Santos diz que pode haver menos preocupação com cartas, jornais e outras superfícies, ela reforça que a recomendação de lavar as mãos continua valendo, é claro — não só devido à covid-19, mas para evitar outras infecções.

“A higienização das mãos e de produtos que serão tocados durante preparo e ingestão de alimentos deve ser mantida. Isso o protege da covid e de diversas doenças infecciosas. Mas não é suficiente para impedir a transmissão da covid”, diz.

A médica aponta que o investimento em melhoria da ventilação de estabelecimentos geralmente é alto e diz que “ninguém quer falar sobre isso”.

“Trabalhadores estão convivendo em espaços que nunca cuidaram da segurança respiratória. A adaptação é cara — a não ser que tenhamos inovações, o que é possível — e poucas empresas terão condições (de fazer o investimento) após o impacto da própria pandemia”, diz.

Pesquisadores apontam que as máscaras N95, PFF2 (foto) ou equivalente oferecem um grau maior de proteção e devem ser priorizadas em situações de maior risco | Reprodução

A OMS divulgou neste ano um documento com indicação de estratégias para melhorar a ventilação de ambientes internos e reduzir riscos de transmissão do coronavírus. O arquivo (em inglês) traz recomendações técnicas relativas à ventilação mecânica e natural e aponta que algumas recomendações devem ser avaliadas em consulta com profissionais da área de aquecimento, ventilação e ar condicionado (HVAC, na sigla em inglês).

Ao divulgar esse roteiro técnico, a OMS reforçou que a chance de contrair covid-19 é maior em ambientes cheios e espaços sem ventilação adequada onde as pessoas passam longos períodos de tempo próximas umas das outras.

“Esses ambientes são onde o vírus parece se espalhar por gotículas respiratórias ou aerossóis de forma mais eficiente, por isso, tomar precauções é ainda mais importante.”


Com informações:  BBC News Brasil /  CDC – Centrs for Disease Control and Prevention / The Atlantic / World Health Oaganization 

Edição: Josy Gomes Murta


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