Crônica de Natal

Porque segunda-feira será Natal, pensei em comemorar a data como no célebre poema de Vinicius de Moraes. Lembrando e sendo lembrado. Tendo braços longos para os adeuses, mas sem chorar e nem fazer chorar. Colhendo o que foi dado, com minhas mãos magras. Com dedos para cavar a terra e escavar novos sonhos. Mantendo minha mania de falar baixo, pisar de leve e gostar de ver a noite dormir em silêncio. Não há muito o que dizer, segundo o poetinha. Talvez um verso de amor (quer coisa melhor?). Uma prece por quem se vai. Ou por quem fica também (por que não?). Nascemos imensamente nesta data. Mais do que isso: renascemos, sim.

Porque segunda-feira será Natal queria que as coisas acontecessem como no poema do cearense Mano Melo: “um nascimento, com cimento e cal para o concreto de meus projetos”. E que a dor e a tristeza não tivessem lugar à mesa.

Porque segunda-feira será Natal, o temor de que, como no poema de Ronaldo Bressane, chegue um envelope a mim destinado, com letra forte e com o mesmo entusiasmo com que se mata um Deus. Quem saberá da minha resposta? Os carros voando sobre minha cabeça, como diz o poeta? Ao contrário de Bressane, meu lápis crê em nascimento de deuses e nos desastres dos correios. Precisamos de deuses, para suportar a rotina comum dos pobres mortais. Não devemos ter medo do fim, nesta data e nem em outra data qualquer. No fim, como diria o cronista, tudo dá certo. Se não deu certo, é porque não chegou o fim ainda. Tudo bem, minha fama também não renderia nem tira de jornal. Mas para que quero fama, se meu vizinho é tão comum e verdadeiro dentro do seu anonimato?

Porque segunda-feira será Natal, pode ser uma boa hora para lembrar do poema de Antônio Gedeão. Aquele mesmo que fala que dia de Natal é dia de ser bom, de passar a mão pelo rosto das crianças, de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças. “É dia de pensar nos outros. coitadinhos. nos que padecem, de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria”, diz o poeta. Sugere perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem. Será que teremos tanta grandeza para esse gesto? Mas lembrei que estou precisando comprar alguns presentes para os amigos, secretos ou não. Daí, vem mais um trecho do poema de Gedeão: “Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,/ com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,/ cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,/ as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica”. Será mesmo que esse consumismo é tão inútil assim?

Segunda-feira será o dia de lembrar do meu próprio poema, escrito por esta época em um passado já começando a ficar distante. Lembrar de meu pai, deitado na rede, tocaiando sonhos de olho no alpendre. Ou minha mãe na cadeira de balanço, embalando sonhos e filhos. Ou de meus irmãos, espalhados no quintal, em Cajazeiras ou Jaguaribe. Ah, quer, saber? Lembrei agora de um poema africano antigo, cujo autor não recordo: “Não há pinheiros nem há neve,/ Nada do que é convencional,/ Nada daquilo que se escreve/ Ou que se diz… Mas é Natal”.


Linaldo Guedes

Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.

Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:

Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/

Site: https://linaldoguedes.wordpress.com/

E-mail: linaldo.guedes@gmail.com

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