Evangelizar com as mãos

A linguagem das mãos fala de um Deus ternura que nos ver como amigos e colaboradores seus.

A pregação sobre Deus hoje não é nada fácil. Em alguns momentos da vida nós usamos o seu nome como pretexto para alcançarmos objetivos pessoais. Um exemplo disso, pode ser a dura crítica que Jesus dirigiu aos fariseus e escribas sobre a exploração feita por eles, no Templo de Jerusalém, em nome da lei. Nem sempre Deus é honrado e tratado como Pai Nosso. A pregação pode ser manipulada para interesses mundanos, o que envergonha a vocação cristã e sobretudo o ministério presbiteral.

Deus, o nosso Paizinho do céu, precisa ser purificado das nossas ideologias que estão por trás das pregações religiosas que comprometem a verdade que Jesus nos revelou com o seu agir. Para ir ao Pai devemos ver a ação do Filho e só assim será libertada a imagem evangélica de Deus. O Filho age pleno de compaixão, movido por um éros que se sacia só com uma grande prova de ágape: a cruz. Mas tudo vem precedido por aquele olhar penetrante de misericórdia, por aquele estender a mão aos descartados, pelo perdão incondicional a prostituta, pela busca incessante da ovelha perdida, pelo choro que denuncia a violência contra os profetas de todos os tempos; o Filho é o bom samaritano que cura, consola, enfaixa, derrama óleo nas feridas, acaricia, abraça, conforta, compreende, escuta e jamais condena, enfim é pleno de amor, ou melhor, é ele mesmo o Amor por excelência, no Espírito Santo. Só o Filho nos diz quem é realmente o Pai!

Diante disso, a nossa pregação deveria ajudar as pessoas a se libertarem de suas prisões e a destruir o abismo que nos separa do coração de Deus. No Brasil, sobretudo no período de colonização, algumas vezes a cruz fez matrimônio com a espada e o discurso de civilizados verso selvagens internalizou um sentimento de inferioridade. Acrescenta-se a isso o dualismo diabólico entre Casa Grande e Senzala. De um lado, há o senhor que sabe tudo, que possui alma, que é erudito e rico; de outro lado, estão os sem alma, os servos, a submissão, a ausência de dignidade e de auto-estima. Eis a mais cruel forma de opressão. Exatamente aqui, nasce mais uma vez o medo para com a imagem do Pai: Ele é transformado em um todo poderoso que domina e legitima a escravidão. Mas Jesus nos apresenta um outro Pai, aquele das misericórdias. Esse sim, legitima a libertação integral do homem.

Hoje, infelizmente, estamos testemunhando um retorno deste cenário. E por incrível que pareça, boa parte das pregações que fazem pacto com o sistema da mundanidade e da opressão, saem das bocas dos jovens líderes religiosos, seja padres, pastores, leigos e líderes das mais diversas expressões religiosas. São eles que, motivados por uma imagem de um Deus justiceiro e usando tal imagem para exprimir o ódio que está dentro do coração deles, pregam o extermínio das diferenças, daqueles que estão nas sombras do sistema vigente, como os povos nativos e todas as outras minorias que lutam por emancipação humana na sociedade. Para abrir novos caminhos, o Papa Francisco convoca um novo sínodo e toda a Igreja volta o olhar para a Amazônia.

Talvez é melhor não falarmos mais de Deus, para não deformarmos a sua imagem. Já testemunhamos as tragédias de uma errônea exegese sobre o Pai. Quem sabe estamos numa época na qual é mais oportuno evangelizar com as mãos. O que seria isso? São nossas relações que contam e que nos definem como verdadeiros pastores. Quando assumimos a evangelização através das mãos deixamos de lado a fria racionalização da fé que justifica nosso comodismo e acídia missionária.

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A eclesiologia atual nos motiva a agir a partir da pergunta: em que posso ajudar?

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Evangelizar pelas mãos é deixar desabrochar a nossa razão cordial, como nossas mães que nos oferecem um amor inexplicável. A linguagem das mãos fala de um Deus ternura que nos ver como amigos e colaboradores seus. As mãos são a linguagem do coração que acolhe e se comove com as necessidades do próximo e procura resgatá-lo mesmo quando vacila.

A propósito, merece ser lembrado aqui o personagem que faz o bispo na obra Os Miseráveis, do escritor francês Victor Hugo. Depois de ser libertado, o jovem Jean Valgean que foi condenado por roubar um pão para alimentar sua irmã, pede ao bispo um lugar para passar a noite. O bispo, graciosamente o aceita, o alimenta e lhe dá uma cama. Valgean, revoltado com a injustiça que sofreu e incapaz de dormir em uma cama confortável, depois de anos dormindo em tábuas nas galés de Toulun, acorda, entra no quarto do bispo, recolhe seus talheres de prata e foge. Valgean é encontrado e levado de volta diante do bispo pela polícia, a qual informa ao religioso que o fugitivo levava prata em sua mochila. O bispo intervém de imediato: “os talheres eu os dei de presente ao meu irmão que, a propósito, esqueceu de levar também estes dois castiçais”. Eis a reação do bispo: de acolhida e não de acusações, de resgate e não de condenação. Os erros se corrigem não com a repressão violenta, mas com aquela oportunidade que nasce através de mãos abertas, as quais abraçam e não apontam para um Deus tirano que justifica os sistemas de opressão.

É tempo de avaliar a práxis de nossa vocação cristã. Só a linguagem das mãos samaritanas podem realizar uma verdadeira exegese do Evangelho para um mundo adulto. Justamento por isso ainda continua valendo a exortação de Antônio de Pádua: “Cessem as palavras, falem as obras”.


Padre Ademir Guedes Azevedo

Paraibano, nascido em Fagundes. Presbítero pertencente a Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Possui licenciatura plena em Filosofia pela UEPB. Bacharel em Teologia pela FAMIPAR. Tem especialização lato sensu em Filosofia (UGF – Rio de Janeiro).

Atualmente cursa mestrado em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.

E-mail: jnrj100@gmail.com

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