Ivan Antônio: a arte da igualdade e da solidariedade em todos os palcos

No palco da vida é ator, cantor, compositor, escritor, diretor e mestre na arte de revelar talentos escondidos na exclusão social. Ivanildo Antônio da Silva é natural da cidade pernambucana de Arcoverde, mas desde 1998 criou em São Paulo um método teatral onde a rua é ambiente de experimentação.

 “Quando estou no palco, seja cantando, como ator ou dirigindo sinto-me em casa, na minha sagrada casa, sinto em minha arte e em tudo o que faço fragmentos de tudo que fui e sou desde a minha infância”, revela Ivan Antônio. O artista já publicou livros de poesias como “Eu, Sonhador”, “Flores em Pé de Guerra”, “O Último Barco do Cais”, “Balada para um Triste Amor”, “Bicho Solto” e “Mar Adentro”. Como ator já encenou peças e filmes como “Um Sanatório para Freud”, “Mil Operários em Construção”, “A Caminho da Ternura” e “Carandiru”.

O Conexão Boas Notícias conversou com Ivan Antônio sobre o seu ingresso nas mais diversas artes, o trabalho como ator, escritor e músico, além do projeto de Teatro da Solidão Solidária que vem envolvendo os mais variados segmentos sociais nos espaços artísticos.

Vem de uma família de artistas. Como essa vivência com o trabalho dos seus pais despertou você para a arte?

A família foi minha primeira influência. Meu pai trabalhou em circo e minha mãe fazia teatro amador. Ambos cantavam num coral da igreja e montavam os pastoris da cidade. Com eles o amor pelo teatro, pela música e pelas manifestações culturais do Nordeste. Assim como o teatro, a música teve, tem e sempre terá e será motivação de vida plena para mim. De um lado a presença das manifestações populares por parte dos meus pais e do outro a música erudita que vinha de um tio meu que era músico numa orquestra sinfônica em Arcoverde, cidade do sertão pernambucano onde nasci.

Foto: Reprodução

Ator, cantor, compositor, escritor, diretor. De que forma essas tantas funções foram surgindo na sua vida?

O Teatro veio da necessidade de ampliar o que eu tinha que falar e que não cabia na música e a ampliação desse segmento artístico quando aprendi com os meus pais a transformá-lo em inclusão social. O Teatro da Solidão Solidária para mim não é apenas um instrumento artístico, mas uma maneira de me transformar e contribuir com a cultura de paz, tão necessária no mundo contemporâneo onde o que se vale mais é o “ter” e não o “ser.”

A solidão em mim se faz tão companheira desde a minha infância, mesmo tendo ao meu redor pessoas que tanto amo e que sou amado, sinto uma “solidão do mundo,” desde cedo, inexplicavelmente ela me acompanha e percorre os mais submersos cantos da minha alma e a arte, a música tem sido ao longo da minha existência uma amiga que aponta caminhos e que tornando-se farol pra mim, me faz entender melhor esse processo de solidão. O interessante é que a mesma música que me salva da tristeza do sentir-se só, foi motivo de desespero e desesperança na minha infância (risos) por ser muito desafinado e mesmo assim amar tanto o “cantar”, o bullying era a festa dos meus amiguinhos na infância e depois na adolescência.

Foto: Reprodução

Enveredei para composição porque me sentia totalmente desconfortável ao cantar em público. Passei anos com essa vontade, esse sonho imerso no meu sonhar e doía tanto a falta da música que eu queria expressar no palco que tive que fazer terapia e com a terapia aprendi que sonhos chegam para gente para serem realizados e fui buscar ajuda. Dois queridos professores de canto se tornaram meus anjos de cura, Teka Oniell e Enoque Noberto não apenas me ensinaram a cantar como dirigiram o meu primeiro show. Aos cinquenta anos subi no palco como cantor e de lá para cá já lancei discos, fiz shows no Brasil, Europa e Estados Unidos… Sonhar… Lutar… Conquistar…

A escrita, poesia e dramaturgia, também foram instrumentos de libertação e de empoderamento para mim. Lembro que quando eu era criança, nos finais de semana meus amiguinhos iam para o cinema e durante a semana a gente sentava no pátio da escola e cada um contava as histórias dos filmes que tinham assistido, isso era uma maneira da gente aparecer. Ver filmes numa cidade pequena e num bairro pobre como eu morava era motivo a ser comemorado e de empoderar ainda mais aqueles que tinham dinheiro para frequentar as salas de cinema. Como eu não tinha dinheiro eu inventava as minhas histórias e contava para os meus amigos, lembro que muito dessas histórias emocionava todos aqueles que ouviam, eu ainda não tinha noção do que era aquilo, nem que era uma linguagem artística, só queria me sentir importante. Quando me tornei escritor muitas vezes recorri a lembranças da minha infância para compor meus personagens. A poesia nasce daí, da necessidade de contar histórias muitas vezes como se fosse um pedido de socorro e que você só tem o direito a gritar uma vez para ser ouvido, uma única chance. A poesia para mim é esse grito.

Passei por várias universidades, nos mais variados segmentos do conhecimento humano que academia pode oferecer, por ser imperativo, com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), não conseguia me concentrar nas aulas e sempre abandonava os cursos na metade do caminho. Letras, Pedagogia, Turismo, Teatro, Comércio Exterior e Relações Internacionais foram graduações que tive fracassos no quesito “Conclusão”,  o que é engraçado é que a mesma terapia que me fortaleceu para cantar foi o mecanismo que me impulsionou a lidar melhor com o meu TDAH. Comecei a conversar com os professores e a pedir ajuda, antes eu fugia. Com a compreensão de muitos, consegui me graduar em Cinema e Vídeo pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), em Salvador (BA).

Foto: Reprodução

Estar no palco ou apresentar o palco para outras pessoas. Qual dessas duas experiências o emociona mais?

Quando estou no palco, seja cantando, como ator ou dirigindo sinto-me em casa, na minha sagrada casa, sinto em minha arte e em tudo o que faço fragmentos de tudo que fui e sou desde a minha infância, a presença da solidão em minha vida eu resignifiquei, transformei em arte e caminhos para realização de meus sonhos e das pessoas ao meu redor. Essa é a minha maior motivação e a minha mais importante razão do meu existir no planeta. Ser essa semente, consciente de ser uma humilde semente.

Desenvolve o projeto Teatro da Solidão Solidária. A partir de que tomou consciência de que a arte poderia ser um instrumento de inclusão social?

O Teatro da Solidão Solidária é um método de inclusão social através da arte. Método que foi criado em 20 anos de pesquisa sobre a solidão humana. Dez anos inicialmente no Brasil e depois dez anos onde continuei com a minha pesquisa nos Estados Unidos, Europa e América Latina. A criação do método e consolidação da metodologia no país e no mundo, consistia em fazer uma imersão de dez dias por ano nas principais cidades do mundo disfarçado de uma pessoa em situação de rua. A imersão se tornou material para que eu pudesse iniciar um diálogo com a sociedade sobre a criação de estratégias para a inclusão social da população em situação de rua. Após a minha permanência nas ruas das grandes metrópoles, dormindo em calçadas imundas e frias, pedindo esmolas, vivenciando a violência das ruas e principalmente a solidão, eu voltava para casa e na semana seguinte voltava para as ruas para me identificar para eles e convidar esses homens, mulheres e crianças em situação de rua que eu tive a honra de conviver e com eles aprender a solidão solidária. Partilhar o pouco do que se tem com os seus semelhantes.

Foto: Reprodução

Atualmente divido a minha agenda com palestras e oficinas no Brasil, Estados Unidos e Europa, ministrando aulas em presídios, “Febens”, albergues, quartéis da polícia, empresas, escolas e universidades. Nessas oficinas me torno uma ponte entre meus alunos pelo mundo que são empresários, médicos, policiais, pessoas em situação de rua, psicólogos, advogados, ex-presidiários, professores, estudantes e artistas dos mais variados segmentos da arte. Juntos buscamos um melhor caminho para que possamos entender que o mundo é um só e que estamos todos conectados e que um precisa do outro.

Ao longo desses anos que está à frente do projeto, qual história de transformação com este trabalho mais o marcou?

Vivenciar a inclusão de muitas dessas pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, vê-las de volta a sociedade de uma forma mais consciente do seu papel no universo é uma dádiva para mim, uma benção ser testemunha da transformação dessas pessoas e de quem colaborou com essa mudança é transformador. Isso é motivo de tanta felicidade e da certeza que estou no caminho para me melhorar. Isso me transforma num ser humano menos arrogante, menos egoísta e mais humanamente pleno.

Numa dessas experiências me emociono ao lembrar de um ex-morador de rua viajando conosco para Portugal para participar de um festival internacional de teatro com a participação de companhias do mundo inteiro. Quando o avião começou a subir ele começou a chorar e eu também. Numa experiência recente, uma das minhas assistentes de direção, a Márcia Ribeiro fez uma imersão de dez dias disfarçada de mulher em situação de rua em Fortaleza. Márcia Ribeiro foi minha aluna em São Paulo e hoje é uma grande atriz e diretora, sua companhia de teatro, a Introspectus Cia de Teatro se tornou um grande centro de pesquisa e de aglutinação de estudiosos no método no Brasil.

Foto: Reprodução

São sementes que vejo germinar com muita força, o Wemersson Zuriel que hoje é um outro grande ator e diretor de cinema em São Paulo, Vânia Costa, uma grande bailarina e coreógrafa brasileira, a Carô Carvalho, atriz de teatro, cinema e televisão, Maiza Scruzz, atriz e produtora. Minha filha, Laíra Alves que é atriz e artesã, Marlon Albuquerque e Gisela Ferian, escritores de sucesso e tantos outros espalhados pelo mundo, gente em Portugal, na França, Alemanha, Estados Unidos que são multiplicadores desse meu e nosso sonhar são motivos de muita alegria pra mim.


Por Marcella Machado, da redação do Conexão Boas Notícias

Edição: Josy Gomes Murta

2 thoughts on “Ivan Antônio: a arte da igualdade e da solidariedade em todos os palcos

  • 27 de fevereiro de 2018 em 08:24
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    Quantas vezes no assoalho do relento
    partilhei os saberes que aprendi
    com a coberta do vento me cobri
    neste mundo coberto de cimento
    cada ser que encontrei em movimento
    era mais um abraço da irmandade
    com a força da força de vontade
    descobri que o começo não tem fim
    e a solidão solidária fez da mim
    um irmão convivendo em igualdade

    O pão seco molhado de justiça
    tem sabor de manjar no paladar
    nessa vida de eterno edificar
    fiz meu prédio de vida com caliça
    sem usar o cimento da cobiça
    este ser em eterna construção
    ver em cada mendigo um irmão
    refletindo no rosto um universo
    que em refrão vira coro nesse verso
    no teatro chamado GRATIDÃO

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    • 28 de fevereiro de 2018 em 15:12
      Permalink

      Deus continue te abençoando e dando luz para que vc e seus projetos brilhem e torne aceso no coração dos homens o verdadeiro sentido de uma sociedade igualitária,
      Construída através da partilha de amor e da solidariedade.

      Resposta

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