Lau Siqueira sem medo da aventura da linguagem

É o sétimo livro na trajetória literária de Lau Siqueira. Mas o leitor vai encontrar um poeta um pouco diferente do de obras anteriores, a começar pelo título: “a memória é uma espécie de cravo ferrando a estranheza das coisas”, editada pela Casa Verde, de Porto Alegre.

Lau Siqueira continua sendo o talento que sempre foi na poesia curta, direta, objetiva, no haicai, no epigrama. E isso ele mostra na parte final deste novo livro, em versos como: “memória destroçada/ qualquer lembrança/ é melhor que nada”. Ou: “sensação estranha/ a solidão é uma lua/ que me acompanha”.

Mas apesar de manter o pique e o verbo afiado nos versos curtos, Lau Siqueira vem se aventurando cada vez mais, desde o livro anterior, em poemas longos, reflexivos onde o poeta se permite divagar por outras musas da linguagem. São vários os exemplos nesta obra. Como no belíssimo poema “Porto de Capim”, onde os dois primeiros versos revelam a indiferença com que a cidade, que virou para o mar, olha nossas raízes históricas: “a cidade de João Pessoa/ nunca olha de frente para o Rio Sanhauá// talvez por vergonha das suas margens”.

“No caminho com Eduardo Alves da Costa” é outro exemplo dessa nova poética de Lau, aqui com um poema construído a partir dos versos que os compartilhamentos em redes sociais sempre atribuem a Maiakovski: “Na primeira noite levaram o gado e os cães./ Como não sou bovino nem canino, fiquei fish”, começa o poema e segue em várias estrofes neste tom, meio de desengano e ironia, meio de filosofia e coloquialismo, com a utilização de palavras como “pantim”, tão característica de nosso Nordeste. Outros poemas seguem a mesma linha, meio que discursiva, como “Gravataria Tropical”, que lembra a poesia de Manuel Bandeira. Lau não mudou seu estilo, pontuado, principalmente, de muita ironia lírica, mas ampliou suas possibilidades estéticas.

Em conversa com este repórter, Lau Siqueira reconheceu essa busca de novas linguagens. Disse o poeta: “Minhas experiências, minha vivência até com a história da poesia dialogavam e ainda dialogam muito com as vanguardas, do dadaísmo à Poesia Concreta, passando por movimentos como o Poema Processo e outros. Me interessava muito pelos movimentos da vanguarda literária no sul de Minas, ainda que muito desconhecidos, a Poesia Visual, etc. Enfim, estive muito afeito às desconstruções, transgressões e concisões. O Guardador de Sorrisos traz muitas experiências mais radicais desta fase. Tinha um rigor desproporcional comigo mesmo. Acho que os primeiros livros estiveram meio ‘presos à essa liberdade’, imagine. Eu já quebrei um pouco isso já no Texto Sentido, mas cada vez mais vou desenhando a concisão primeiro na mente para depois colocar no papel”.

E completou: “o tal do poema mais longo, nasce numa conversa comigo mesmo e alguns são longos, como é o caso do poema que fiz no dia em que completei sessenta anos. Eu acho que a diferença é exatamente essa. Me libertei das minhas liberdades. Cada vez mais me sinto livre para explorar temas filosóficos ou mesmo as ironias direcionadas, como no poema que fiz para Eduardo Alves da Costa, um poeta que teve seus versos atribuídos à Maiakovski nas melhores farmácias desse mundo louco da autoria. Acho que eu me importava demais com a opinião alheia. Especialmente para os olhares mais agudos da crítica. A crítica deve existir por ser essencial, não para nos garantir um lugar o Olimpo. Esperei a porrada desestimulante, mas ela não veio. Pelo menos não veio ainda. Hoje não tenho mais essa preocupação. Eu simplesmente escrevo, sem medo de ser lírico, de parecer erótico, pornográfico, engajado. Sem medo do ridículo, pois ser poeta é não temer o ridículo”. Sem medo, então, de ser feliz, saudemos a poesia de Lau Siqueira!


Linaldo Guedes

Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.

Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:

Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/

Site: https://linaldoguedes.wordpress.com/

E-mail: linaldo.guedes@gmail.com


Edição: Josy Gomes Murta

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