Marco Di Aurélio: Nordeste redescoberto em poesias e movimento

Para conhecer é preciso andar. Longe dos arranha-céus e das belezas plásticas, a paisagem e as gentes da terra descortinam-se frente aos olhos do poeta Marco Di Aurélio.

Pernambucano, radicado na Paraíba, Marcos Aurélio Gomes de Carvalho, desbrava um Nordeste entre versos, lentes e movimento. A arquitetura da casa às margens da estrada, o nevoeiro denso sob a vegetação do semiárido, as vozes e o sons que percorrem um interior sem fim transformam-se em poesia e registros de uma cultura viva e rica.

“Por lá, onde se encontra tal riqueza, me fiz soberano em desejar mostrar e fortalecer a nossa cultura”, disse. O Conexão Boas Notícias conversou com o poeta, escritor, cordelista, ator, fotógrafo e documentarista Marco Di Aurélio sobre cultura popular, os interiores do Nordeste e a arte dos lugares e de pessoas.

É um ativista cultural. De onde veio esse desejo de mostrar a cultura regional?

Sou fruto do meio em que fui formado. Costumo dizer que meu anel de formatura eu obtive por vivenciar de forma intensa as feiras livres de cidades interioranas. Elas me mostraram o vigor de universos paralelos, mas complementares, onde o mundo rural e o mundo urbano se abraçam de forma profunda e conveniente frente às suas necessidades de trocas. Esse casamento, esse encontro semanal, alimenta um intercâmbio de conhecimentos que em muitos poucos lugares se consegue tal propiciamento. E por lá, onde se encontra tal riqueza, me fiz soberano em desejar mostrar e fortalecer a nossa cultura.

De que forma essa sua imersão na cultura popular nordestina te despertou para poesia?

Naquela mesma feira fui agraciado ao conhecer o mundo da poesia através dos repentistas, dos emboladores de cocos e dos artistas de rua. E, sendo alcançado pelo poder narrativo de tais espetáculos, não foi difícil ter me sentido fascinado por eles.

Cena de “Veredas”, no elenco com Sandra Belê e Escurinho. Foto: Facebook/Reprodução

Anda pelo interior ouvindo histórias, conhecendo lugares e artes. Como é a descoberta desses ambientes?

Cada canto tem seu canto, tem seu cheiro. Cada lugar, de uma forma auto organizada, tem suas figuras, assim como eu, também fascinadas pela arte e a fazer arte. Cada descoberta é mais uma moeda no baú desse tesouro imensurável que é o nosso chão do Nordeste brasileiro. E isso, por ser impressionante, nos faz desejar mais viagens, mais contatos.

Também produz curtas. O que o move a produzir esses trabalhos?

Sou filho de fotógrafos, pai [Aurélio] e mãe [Ester]. E como a imagem é um suporte muito forte, tanto para subjetividades, como para o puro realismo, achei por bem enveredar pela imagem em movimento. Além da produção de três curtas-metragens, tenho mais quinze documentários numa série chamada “Tesouros do Cariri”, sobre a vida e obra de artistas do cariri ocidental paraibano.

“Veredas”, “Enraizados” e “Desassossego” são os curtas-metragens de Marco Di Aurélio. Foto: Carlos Cateb/Reprodução

É autor da primeira edição de literatura de cordel do sistema Braille no Brasil. O que representou essa obra na sua trajetória e como foi a recepção desse público?

Foi uma ocorrência muito interessante. Depois de haver vertido dez folhetos para o sistema Braile, tentei encontrar pessoas que estariam fazendo o mesmo, para me enturmar em tal produção. E descobri que não havia ninguém. Portanto, estava eu produzindo a primeira edição de folheto em Braile no Brasil. A recepção foi ótima, pois a oferta de leitura em Braile no Brasil é aquém de sua real necessidade.

O que falta para que a população do Nordeste se aproprie totalmente da riqueza cultural da região?

Falta-lhe conhecimento de nossa história. Falta-lhe educação. Tenho uma máxima: quando a cultura de um povo se deixa invadir por uma outra cultura, é porque sua cultura era fraca, insignificante e miúda, do tamanho do povo que a deixou morrer.

Foto: Facebook/Reprodução

Como surgiu o sarau poético/musical “7 Bocas de Luz” e qual a proposta do grupo?

Estamos nesse eito há mais de dez anos. Reunimos um grupo de amigos, poetas e musicistas, e começamos a levar saraus poéticos musicais para pequenas cidades do interior da Paraíba.

Fugindo de vínculos como editais, e de quaisquer instituições, mantivemos até hoje nossa liberdade de brincantes. Cantando e declamando para as pessoas que a gente quer, nos lugares onde a gente quer, no dia e horário que a gente quer. Não ensaiamos, cada um sabe o que fazer, e dispensamos qualquer tipo de remuneração. Nosso tipo de arte não é mercadoria.

Apresentação do 7 Bocas de Luz. Foto: Asley Ravel/Reprodução

Poetas e musicistas que nos tem acompanhado: Pedro Soares, Roberto Cajá, Chico Viola, Haidée Camelo, Octávio Caúmo, Civaldo Andrade, Joca da Costa, Roberto Araújo, Chico Pedrosa, Oliveira de Panelas, Carlos Araújo, Fernando Pintassilgo e João Nicodemos.

Cordel “Autodidata” de Marco Di Aurélio

Sou apenas um poeta

de letras ajuntador

não completei a escola

me ocupei trabalhador

mas não sou ignorante

de leitura interessante

nisso sim me fiz doutor.

 

Um doutor de entender

da vida sua grandeza

do mundo e seus confins

do belo a realeza

da rosa em seu carmim

da pureza de um jardim

ultrapassando a beleza.

 

Um doutor de entender

que a vida pura e bela

é um céu azul e branco

é um sítio sem cancela

uma canção entoada

uma vida derramada

e a gente em cima dela

 

Um doutor de entender

que tudo que vai tem volta

de um bicho que se prende

de outro que assim se solta

no ciclo da inspiração

em sua respiração

que no mundo não se esgota.

 

De entender que o destino

parece querendo ser

uma coisa já traçada

aquilo que tem que haver

pois não existe uma praça

o seu ar a sua graça

se não houver um querer.

 

Portanto sei entender

que a vida que aqui se tem

o tudo que aqui se faz

se projeta muito além

não vivemos numa estrada

como rota já traçada

a vida não é um trem

É preciso se buscar

no meio do existir

em tudo que se pensar

no chorar ou no sorrir

que a vida é qual o vento

que povoa o firmamento

eternamente a fluir.

 

Toda cosmologia

tenta mas não explica

o teor de tudo ser

enfeita e até complica

a razão do seu querer

procurando conhecer

o tudo que multiplica.

Como toda vida é

um conjunto de ilusão

construída ela está

pelo pó em suspensão

e a cada sopro vai

se levanta e depois cai

em nova combinação.

Contato

Facebook: https://www.facebook.com/marcodiaurelio

Youtube: https://www.youtube.com/user/marcodiaurelio

Site: http://www.marcodiaurelio.com.br/


Por Marcella Machado, da redação do Conexão Boas Notícias 

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