Maria Juliana: música autoral da Paraíba para o mundo

Voz para qualquer canto, seja folclórico, popular, erudito. De autores paraibanos, brasileiros e de outras línguas, mas que sejam canções com o sentimento de quem as interpreta. “O espaço que eu escolhi para ser a Maria Juliana artista é acima de tudo, o espaço da música autoral”, afirma a cantora.

Maria Juliana Linhares nasceu em João Pessoa (PB). Desde criança já dava seus primeiros passos na música. Seu primeiro palco foi a igreja, onde música e teatro eram formas de evangelizar os pequenos. “Sempre me colocavam pra cantar”, relembra.

Nessa fase participou do Coral Infantil da UFPB, depois, já na adolescência integrou o Coro Sinfônico da Paraíba Infanto-Juvenil. Mais crescida entrou para o Coral Sinfônico Adulto e foi aperfeiçoar seu canto na Escola de Música Antenor Navarro. Nessa época, deixou os estudos artísticos de lado e foi cursar Direito.

Mesmo com a área jurídica no caminho, era mesmo na arte que estava a formação da paraibana. Como uma atriz que interpreta personagens simultâneos, Maria Juliana empresta sua voz aos cantos, aos grupos, corais e aos sentidos mais verdadeiros da música. Trajetória que transforma o palco numa extensão da artista. Há dois anos, a voz de Maria Juliana e a música autoral paraibana ganhou as salas de concerto do mundo no espetáculo “Rotas da Escravidão”, do maestro catalão Jordi Savall.

O Conexão Boas Notícias conversou com Maria Juliana sobre a sua música, o cenário autoral paraibano, suas referências no primeiro CD lançado em 2015, o espetáculo e a sua trajetória musicalmente plural.

Transita entre o canto erudito e o popular. Como foi esse seu despertar para a música?

Começou assim, entre igrejas e corais. Eu ouvia muito música popular e gostava de cantar música popular na igreja. A música era religiosa, mas a vocalidade era de música popular. No coral era que tinha essa preocupação de fazer uma voz com técnica mais erudita. Então, eu fui transitando entre as duas maneiras de cantar desde criança, na verdade. Eu sempre gostava de ouvir um pouco dos dois.

Quando eu comecei a ter contatos com corais foi que realmente eu comecei a me interessar para ouvir repertórios instrumentais, óperas, corais. Eu fui sempre reunindo essas duas referências. Já na adolescência o pessoal começou a me chamar para cantar em eventos privados com música popular. Aqui e acolá cantava um “Ária”, uma “Ave Maria”.

Foto: Sônia Aguiar

Além de músicas suas também interpreta composições de outros autores. Como imprime identidade própria a essas canções?

Quando você canta uma música que já é bem conhecida, eu pelo menos tenho essa preocupação e sei que tem outros artistas que também têm esse mesmo zelo de deixar uma marca para que as pessoas desvinculem a audição daquela música da versão que é mais conhecida. Principalmente quando é muito boa, muito bem feita, é muito difícil. Fazer algo novo e que as pessoas gostem desse novo. Mas é algo também que você vai aprendendo a fazer de maneira orgânica quando você, em termos de interpretação, deixa a sua verdade aparecer. Cada música, para cada pessoa já significa algo diferente. Sendo que todo mundo na hora de interpretar sabe puxar aquilo o que significa para você intérprete. Então, fica muito acostumado, acomodado na primeira versão.

Foto: Reprodução

Eu interpreto música de muita gente e tento deixar do meu jeito. Se eu quiser lançar luzes sobre a minha interpretação eu tenho que deixar algo diferente. Só de ser outra voz já é diferente. Eu vou buscando meus sentimentos em relação aquela música.

Em relação a música paraibana, no meu CD tinha duas músicas que já tinham sido gravadas pelos seus compositores, que eram “Escurinho no velório de Michael Jackson” de Naldinho Braga que eu pedi a ele logo que ele compôs e “Alegria de Farol”, de Adeildo Vieira que na época não tinha sido gravada por ninguém. Sendo que o projeto do meu CD demorou tanto e ambas foras gravadas por eles. Então, o que seria inédito, não era mais. Eu chegava para Michel que era o diretor musical na época e dizia “menino, esse negócio tem que ficar bem diferente, eu não quero que seja parecido”. Não desprezando as outras versões, mas eu queria deixar do meu jeito. Acho que eu consegui em ambas as músicas.

Eu sei que quem trabalha muito com música, sempre tocando, em vários grupos, as vezes não tem tempo para pensar em uma nova interpretação e eu entendo isso. Mas o espaço que eu escolhi, obviamente, para ser o espaço da Maria Juliana artista é, acima de tudo, não que nos outros espaços eu não seja, mas é o espaço da música autoral.

Foto: Reprodução

Participa de diversos grupos, seja de música popular, lírica, de musicais. O que significa essa versatilidade para o artista?

Para mim é uma delícia porque eu não consigo ficar numa coisa só. Não me vejo, nunca me vi, até fiz tentativas, mas não consigo. Na mesma semana as pessoas me chamam para fazer coisa de música popular e de música erudita. As vezes no meu projeto, no meu trabalho autoral, as vezes como convidada, fazendo trabalho para os outros. É muito bom porque te faz conhecer várias formas de fazer música, de lidar com a música, de aprender a música, te faz conhecer muita gente. São experiências humanas diferentes. Você lida com universos, públicos, desejos e entendimentos de arte totalmente diferentes uns dos outros, eu me sinto bem assim, camaleoa. Não me faz mal como artista tecnicamente.

Acho que agora estou num ponto que não tenho mais dúvidas que eu faço bem as duas coisas. Já teve algum momento que eu mesmo me questionava “será que esse negócio está bom? Será que eu não estou misturando tudo?”. Mas hoje em dia eu sei que eu consigo ir para cada um e a coisa sair legal. O que quero mesmo agora é qualificar cada vez mais cada espaço artístico desse no qual eu me envolvo, deixar coisas boas, tantos para os meus projetos, tanto para aqueles nos quais estou envolvida.

Seu repertório musical é bastante variado. O que busca apresentar ao público e a si mesma nas canções que escolhe?

Eu gosto muito de músicas que reflitam a realidade, que exerçam uma criticidade sobre os grandes temas da humanidade. No momento que a gente vai organizar um show, “o que está pegando mais? É a política, é o machismo, são as questões ecológicas, são as relações entre as pessoas?”.

É nesse momento que saio um pouco do meu autoral e vou buscar em outros autores alguma coisa que eu queira falar que retrate a realidade ao meu redor. Eu sou uma pessoa política e isso reflete no artista. No meu primeiro CD, não tem esse viés, aqui e acolá tem uma poética mais questionadora.

O que é de político é justamente essa afirmação da cena paraibana. Só tem música de paraibano e não são os mais famosos. São pessoas competentes, maravilhosas que fazem música e que a visibilidade deles, a nossa visibilidade só depende de nós. Se eu não citar Adeildo, Erivan, Paulo Ró, Naldinho, André Moraes, se eles não me citarem, se a gente não citar outros da cena, ninguém vai saber que a gente existe. Nós só temos a nós mesmos. O político não está muito nas músicas, mas no projeto, na cena autoral paraibana sendo revisada através da minha voz.

Nos shows, sim, canto músicas políticas dos outros. Nesse momento, prestes a quem sabe, lançar um segundo CD, eu já tenho muita música desse povo, continuando na cena paraibana, especialmente de João Pessoa, músicas bem política. Além de um projeto, mas refletido na poesia das músicas também. O que é também do meu repertório que valoriza muito essa música que não está na grande mídia é justamente dele tratar de cultura popular através dos arranjos e dos ritmos abordados.

Realiza apresentações internacionais, inclusive cantando músicas de compositores paraibanos. Como é a reação do público lá fora?

Essas apresentações internacionais são sempre com Jordi Savall, um maestro catalão, considerado um dos maiores nomes da música barroca da história. Com Jordi teve esse convite de fazer Rotas da Escravidão, que é um espetáculo que tenta fazer um caminho sonoro, a paisagem musical desse atlântico negro, África e América do Sul. “Quais seriam os sons dessa época, as músicas dos conquistadores europeus, dos africanos, dos indígenas, a mistura, as influencias, o encontro dessas populações indígena e negra?”.

Tem música nesse espetáculo de concerto e muita música popular. Dentro da música popular, tem a de tradição oral e urbana, que se faz hoje, mas carrega características da africanidade e de tradições indígenas. As pessoas que pesquisavam para Jordi, mandavam muitas músicas desses países para ele. Mandei para ele música e vídeos, das que gosto e escuto do Brasil todo e também música autoral da Paraíba. Faltando um mês para o espetáculo estrear, ele escolheu quatro músicas brasileiras. Uma era um jongo do Rio de Janeiro e três da Paraíba. Uma do Escurinho, outra de Paulo Ró e Águia Mendes e uma de Erivan.

A gente se apresenta em ambientes de música de concerto. As pessoas vão lá para ver um concerto de Jordi Savall. Chegam lá e eu estou dançando o caboclinho do Carnaval tradição de João Pessoa, que é a música de Erivan, “Canto do Guerreiro”. Normalmente, eles acham muito bonito, vem no camarim para elogiar quando deixam. Perguntam onde estão essas músicas na internet para eles conhecerem mais. Eu gostaria muito de com isso continuar sendo uma porta voz dessa música paraibana. Gostei muito de poder estar intermediando isso.

“Pétalas Vocais” é o título do seu primeiro CD. Como nasceu esse álbum?

Pétalas Vocais é uma coisa bem antiga. Michel Costa foi que inventou essa expressão. Ele dizia que eu não tinha cordas vocais, eu tinha pétalas vocais. Não era uma garganta, era uma flor que exalava sons. Essas coisas metafóricas. Resolvemos fazer uma música sobre isso. Na época a gente começou a colocar músicas em festivais, mas essa nunca passava, só as outras. Ela sempre existiu, mas não era muito conhecida. Quando a gente aprovou o projeto para gravar CD, a gente resolveu intitular com o nome dessa música, porque de todas era a que tinha o nome mais inusitado, mais poético.

A gente fez a música em 2006. Entre fazer a música, começar a gravar o CD que começou em 2012, a gente fazia muitos shows de música autoral paraibana, de compositores amigos nossos, nossas mesmo e a gente intitulava de “Pétalas Vocais”. Quando lançou o CD a gente desenvolveu um projeto mais qualificado no sentido de trabalhar só as músicas do CD. Antes a gente ficava trocando as músicas dos compositores paraibanos, uma hora a gente tocava um, outra hora tocava outro. As nossa música a gente sempre mantinha. Cada show era uma história diferente. Com o CD virou o espetáculo “Pétalas Vocais”. Foi quase uma década dele se transformando.


               


Contatos

Facebook: https://www.facebook.com/CantoraMariaJuliana

Youtube: https://www.youtube.com/user/TheMariaJuliana

Instagram: https://www.instagram.com/mariajulinhares/

Soundcloud: https://soundcloud.com/maria-juliana-22


Por Marcella Machado, da redação do Conexão Boas Notícias

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.