Musas e poetas

Uma vez estava conversando com uma amiga, que dizia querer muito ser poeta. Tentei demovê-la da ideia. Aleguei, entre outras coisas, que o papel de musa é mais cômodo do que o de poeta.

Musa fica ali, em seu canto, encantando poetas, gerando poemas e polêmicas nos corações alheios. Já o poeta, não. Este é um pobre coitado. Diria que é um sofredor. E olha que nem usei o clássico poema de Fernando Pessoa, como argumento para defender minha tese. Aquele poema que diz que o poeta é um fingidor, finge tão perfeitamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.

Ophelia (musa) e o poeta Fernando Pessoa. Foto: Reprodução

Falei para ela que o poeta é um masoquista que se realiza com seu sofrimento literário. Isso partindo do princípio, claro, de que poesia é, pelo menos, uma porcentagem de inspiração. Sei que há muitos moderninhos que alegam ser a poesia cem por cento trabalho com a linguagem. Mas não vejo por ai. E cito uma frase, se não me engano do Manuel Bandeira, de que é preciso inspiração até para atravessar uma rua.

Uma vez até escrevi um artigo sobre a poesia de João Cabral de Melo Neto falando sobre isso. Dono de uma poesia altamente cerebral, como gostava de afirmar, João Cabral precisava se inspirar em alguma coisa para construir seus maravilhosos poemas. Mesmo quando falava de um objeto qualquer, foi aquele objeto qualquer que motivou seu poema. Claro que depois que essa “inspiração” ou “motivação” é passada para o papel, o poeta pode, e deve, trabalhar a linguagem daquele poema à exaustão, até chegar perto da perfeição.

Bom, mas falava do lado masoquista do poeta. E do quanto ele sofre na construção de um poema. Principalmente se o poema tem como tema uma desilusão amorosa, por exemplo. O que acontece, então? O poeta sofre quando vive aquele sentimento e mais na frente sofre mais ainda, quando consegue construir um poema reproduzindo isso. Com o poema pronto e acabado, fica perpetuado (claro que estou falando dos grandes poetas) aquela dor que ele viveu em determinado momento de sua vida. Sempre que for reler o poema, estará revivendo determinado sentimento que o originou.

Por isso, que acredito ser muito melhor o papel de musa do que de poeta. E, ainda pensando nos versos de Pessoa, diria que o poeta se autoflagela com seus poemas.


Linaldo Guedes

 Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.

Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:

Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/

Site: https://linaldoguedes.wordpress.com/

E-mail: linaldo.guedes@gmail.com


Edição: Josy Gomes Murta

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