O ninho e a manjedoura: fazendo de nossa frágil condição humana o espaço fértil para Deus

Por Pe. Ademir Guedes Azevedo

Afeto e acolhida são inerentes a condição humana. No ventre de nossa mãe fazemos a experiência confortável do ninho. Ali estamos seguros e bem acolhidos. Uma grávida se deleita, abraçada com seu esposo, enquanto este acaricia a sua barriga e juntos conversam com a criancinha que aguarda a sua hora de nascer. Os três estão tão sintonizados naquele afeto que parecem pulsar num único coração.

Esta experiência humana me faz recordar a vida intratrinitária que remete a harmonia das divinas três pessoas que se amam mutuamente. Cada uma delas se vê na outra e assim formam uma comunhão perfeita. É realmente um ninho divino de acolhida e aceitação das diferenças que formam uma unidade.

Se, de um lado, o ninho representa a plenitude e a segurança, a manjedoura é incompletude e incerteza. É um amor carente que pede cuidados, pois está exposto a toda forma de ameaças. E Deus escolheu a manjedoura para assumir o risco de ser humano, em sua encarnação. Naquela manjedoura Ele recebe a proteção de seus pais, mas é privado de estabilidade, pois a fúria de um rei já o persegue, por isso se tora migrante peregrino, tendo que se deslocar de uma região à outra nos braços de sua mãe dolorosa e de seu pai, homem justo.

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Em seu desenvolvimento, o cristianismo conviveu (ainda convive?) com a tensão entre ninho e manjedoura. Nos primeiros séculos era evidente sua itinerância.

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O tempo da manjedoura (riscos, fugas, confiança na providência) foi preciso para as relações e o contato com novos rostos, como bem experimentou o apóstolo Paulo em suas viagens missionárias. A manjedoura acaba assumindo a chamada dimensão de profecia para o cristianismo, visto que o desinstala a não permanecer fechado em esquemas mentais que impedem o frescor do Evangelho.

No entanto, há também a tentação de habitar o ninho. Quando a era constantiniana ganhou espaço no agir das pequenas comunidades cristãs que viviam imersas na memória perigosa da vida de Jesus, de maneira repentina tudo tornou-se uma realidade macro. Catedrais, mosteiros, basílicas foram levantados e agora todos devem vir a estes lugares santos para fazer o encontro com o sagrado. Este grande ninho deu segurança aos ministros do culto que já não se interessam muito com as estradas e as ruas (há suas exceções, contudo), pois devem dedicar tempo a manutenção da nova morada de Deus.

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As narrativas de Natal sempre me provocaram a refletir o que realmente é importante para Deus comunicar-se ao coração do homem e por meio de qual estilo ele o faz.

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Tudo indica que ele escolhe o estilo da não segurança e da providência incondicional na ação do Pai celeste em sua vida: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20).

O Mistério de Deus necessita de nosso vazio (insegurança, instabilidade, incerteza, fragilidade) para habitar neste mundo que, diferentemente, busca sempre a grandeza. Mas Deus toma outra direção. Justo por isso, Deus renuncia a condição de ninho para construir sua casa no vazio. Quando os israelitas vagavam no deserto, a Moisés foi ordenado de ser construído um trono para Deus. Era apenas um espaço vazio entre as asas dos querubins. E era minúsculo, exatamente o palmo de uma mão. Deus não necessita de muito espaço. Por isso, quando se fez carne entrou no pequeno espaço vazio do ventre de Maria. Quando aquela criança cresceu foi pregado numa cruz e gritou ao seu pai que parecia ausente. Aquele, talvez, foi o espaço mais vazio de todos. Mas no domingo de Páscoa, Maria de Magdala, Pedro e o discípulo amado viram no sepulcro o espaço vazio, com dois anjos ao lado.

Que neste tempo de Natal…

Espero que neste tempo de Natal possamos oferecer a Deus o nosso ser vazio, talvez de sentido, de falta de amor, de perdão, de solidariedade…mas se nós o oferecermos a Deus, com certeza se tornará fértil e Ele fará da nossa frágil condição humana o seu pequeno espaço, onde fará a sua morada. 


Pe. Ademir Guedes Azevedo

Paraibano. Padre, missionário passionista (pertencente à Congregação da Paixão de Jesus Cristo). Mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.


Edição: Josy Gomes Murta


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