Redator se oferece para escrever “cartas de amor e de perdão”

Igor Francisco, de 29 anos, chama atenção na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba. O publicitário paraense, costuma sentar-se para escrever cartas de graça. 

Em meio a paisagem: um quadro negro, duas cadeiras de praia e um bloco de notas. “Não deixe que as palavras te impeçam de falar!”. 

A ideia começou em abril, com o objetivo de ajudar a população a se livrar do receio de colocar ideias e sentimentos em palavras. Os horários escolhidos são sempre entre o fim da manhã e o início da tarde, momentos de maior movimento na praça.

“Ofereço os meus ouvidos e o meu trabalho de redator para desconhecidos em troca de algumas respostas para questões do tipo: qual o motivo que te faz confiar mais em mim, um desconhecido, para escrever algo tão pessoal?! A população tem receio de escrever por medo de ser corrigido, ou julgado por demonstrar os sentimentos”, contou ele.

Para começar, Igor tinha apenas uma cadeira de praia, a outra ele pegou emprestado da vizinha dele, a Solange. Já o quadro de outra amiga, a Letícia, e o giz tinha em casa. Em quase dois meses, Igor já escreveu mais de 20 cartas.

“Cartas de saudade, de amor, de reconciliação. Não são só palavras, são vidas, sentimentos, saudade, dor. São pequenos rascunhos que podem, sim, transformar pequenas realidades. Não estou salvando o mundo da fome, mas estou com o meu dom ajudando as pessoas a terem coragem de se manifestar por meio do que já têm, por meio da própria vida”, disse.

P. S. Espalhe amor

Igor Francisco, de 29 anos, escreve cartas de saudade, de amor, de reconciliação. Foto: Natalia Filippin | G1

Entre as histórias, a primeira foi de um rapaz que morava em Blumenau (SC), e estava no Centro de Curitiba para comprar um presente para a esposa. Viu o quadro negro de Igor e resolveu incrementar a surpresa com uma carta de amor.

Outra carta que marcou o publicitário, foi a de um irmão para outro. Eles tinham se afastado porque o mais velho teve problemas sérios com drogas, o que gerou problemas familiares. Entretanto, o mais novo queria muito retomar o contato, pois tinha no irmão mais velho um grande amigo.

“Eu percebi que valia continuar o trabalho depois que esse irmão me mandou uma mensagem falando que eles tinham voltado a se falar, após entregar a carta de perdão, e que ele era eternamente grato por isso”, contou Igor.

Porém, a carta que mexeu mesmo com ele foi a de uma senhora, de nome Rosângela, que quando era muito nova teve o primeiro amor e foi impedida de se casar com ele. Casou-se com um outro rapaz que o pai havia escolhido. Ficou 36 anos vivendo na infelicidade e, no dia exato em que se divorciou, encontrou aquele primeiro amor nas ruas de Curitiba.

“Nesse dia, ela me fez escrever uma carta sobre a história, sobre como por todos esses anos ela nunca deixou de amá-lo. Foi mágico porque o destino é muito louco, não é?! Essas histórias existem, e que bom que eu posso ajudar a contá-las”, disse ele.

Igor também contou que já fez cartas para um senhor que queria escrever para os netos que moram no Japão. Outra vez, ajudou um rapaz de Minas Gerais a escrever para uma antiga namorada.

“Tempos depois ele me mandou uma mensagem falando que eles já tinham viagem marcada para se verem. Isso não tem preço”, relatou.

Troca de experiências

Para receber a ajuda, basta que o interessado se sente e converse com ele. Segundo Igor, nas primeiras vezes ele pensou que ia “pagar mico”, ou que os curitibanos conhecidos por “não conversar com estranhos” dificultassem o serviço.

“É um bate papo, uma troca de experiências. A pessoa me conta sobre o que quer que escreva e para quem. Faço um rascunho e em casa redijo e envio por e-mail ou redes sociais. Busco perceber como a pessoa é, se utiliza gírias, se ela é mais fechada. Ao enviar destaco: esse texto agora é seu, eu quero que você o transforme o quanto quiser. Isso faz com que a pessoa pratique a escrita, que é o meu objetivo principal.”

Luciana e Igor: uma boa conversa e dicas para escrever bem. Foto: Natalia Filippin | G1

Luciana Matias da Luz, de 32 anos, parou para conversar com o Igor porque, segundo ela, apesar de falar bem e muito, não consegue escrever com facilidade.

“Vi ele no meio da praça e resolvi conversar. Não quero uma carta hoje, mas quero dicas para escrever bem e também ensinar a minha filha de oito anos. Quero voltar a estudar pedagogia, e para isso não posso ser travada assim”, disse ela.

Carta real

Outra pessoa que cruza sempre com o Igor na praça, é o Antônio Ferreira de Andrade, de 57 anos. Ele trabalha na limpeza pública da cidade há 25 anos.

Segundo Igor, o senhor leu a proposta no quadro e, antes que pudesse abrir o bloquinho, resolveu falar sobre amor.

“Disse estar indignado com os jovens de hoje em dia, que é tudo muito rápido, ninguém espera, respira. Basta abrir um perfil e já descobre tudo, perdeu o encanto, a conquista, o descobrimento. Ele disse, ainda, que se os poetas escrevem sobre o amor é porque observam o dia a dia e os próprios sentimentos. Ele não me deu uma carta de amor, ele me deu um manifesto praticamente”, brincou o redator.

Como de costume, seu Antônio estava na praça realizando o trabalho de limpar Curitiba. Durante a conversa, de pé mesmo, ele disse que se fosse escrever para alguém, seria para a esposa Ana Dirce.

Antônio Ferreira trabalha na limpeza pública da cidade há 25 anos, e encontra o redator com frequência no Centro. Foto: Natalia Filippin | G1

“Sou casado há 33 anos e todo dia ainda descubro coisas da minha esposa que eu não sei. Isso é amor. As minhas palavras da carta só teriam sentido se fossem para ela”, contou emocionado.

Paixão antiga

Igor contou que a paixão pela escrita vem desde pequeno. A mãe dele gostava tanto que fez carteirinha fidelidade para ela e os quatro filhos na biblioteca para conseguir emprestar mais livros. Ela tinha a coleção inteira de Jorge Amado e Monteiro Lobato.

No colégio, participava de concursos de poesia e, na maioria das vezes, ganhava. Quando jovem, passou em psicologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas optou por seguir apenas no curso de Comunicação Organizacional.

Graduou-se em 2012, fez cursos de escrita, presenciais e online, especialização em sociedade. Trabalhou de 2008 a 2016 em agencias de publicidade com redação. E, há quatro anos, montou a própria empresa.

Ele contou que as pessoas sempre pediam para que ele ensinasse a escrever com mais facilidade, mas que entre saber fazer e saber ensinar existia um abismo.

“Fiz aulas de didática, aprendi e montei minhas próprias aulas sobre sociolinguística, períodos longos e períodos curtos, figuras de linguagem. Atualmente já ajudei 30 turmas a escreverem melhor”, explicou o redator.

Redator se oferece para escrever “cartas de amor e de perdão”. Imagem destacada: Foto: Natalia Filippin | G1

E, o projeto da praça veio a partir disso. Para ele, era uma frustração pedagógica perceber que os alunos tinham medo de praticar a escrita, medo de mostrar o que escreveram.

“Isso me deixava muito inquieto, visto que se eles não praticam, não melhoram, e se não melhoram, minhas aulas não servem de nada. Eu queria entender mais esse medo, só que para isso eu precisaria conversar com mais pessoas. Deu certo”, relatou Igor.

Para o futuro, Igor pensa em, quem sabe, escrever um livro com todas as histórias, visto que as personagens são sempre anônimas.

“Escritor não é aquele que põe terno, gravata e senta atrás de uma máquina de escrever. Escritor é quem quiser falar através de suas palavras. O mundo precisa da nossa voz escrita porque essa é a que fica para sempre, de geração em geração”, concluiu.


Com informações: G1 PR

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