De farda: gari apresenta trabalho de conclusão em história na UEPB

Ednilson de Pontes Silva, 31 anos, recém-graduado em história pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Guarabira. O estudante é um exemplo de superação. Ele decidiu honrar a sua profissão de gari e vestiu a farda do emprego para defender o trabalho de conclusão de curso.

Desde 2011, Ednilson é gari em Pirpirituba, município localizado a mais de 100 km da capital paraibana. Com o trabalho ele consegue o sustento da sua família: a esposa Thaís Pereira, 25 anos, e a filha Laís Pereira, de 2 anos e 4 meses.

O sonho de ter um curso superior sempre o acompanhou e depois de bastante determinação Ednilson foi aprovado no vestibular da UEPB no ano de 2013. Inicialmente, usava o ônibus escolar que saía de sua cidade até o campus. Com muito esforço, comprou uma motocicleta para chegar até a instituição.

A defesa do trabalho aconteceu recentemente (11/06). No início Ednilson até pensou escrever o seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre a história da África, pois foi algo que sempre chamou a sua atenção. Mas por fim decidiu escrever sobre seu ofício. Aí encontrou uma maneira de exaltar a profissão. 

Tema do seu TCC: Trabalho, Desigualdade Social na Contemporaneidade: reflexões sobre a invisibilidade dos agentes de limpeza pública. (gari)

Ednilson apresentando o seu TCC. Foto: Dje Silva | Ednilson Silva | Arquivo pessoal

Para construir o tema Ednilson contou com a ajuda da professora e orientadora Verônica Pessoa. “Eu pesquisei e não achei quase nada sobre os garis. Tinha um homem chamado Fernando Braga da Costa que passou essa experiência como gari na USP, e era um trabalho de campo que ele passou quase 10 anos. Me inspirei nele, quando vi a história dele e que ele falava sobre a humilhação social, sobre invisibilidade, achei um tema muito bacana” disse.

Por que um gari não pode ir (fardado)?

“É notório no campus: as pessoas que exercem a função de policial vão fardadas, pessoas que fazem medicina ou enfermagem vão de jaleco. Por que um gari não pode ir (fardado)? Eu digo ‘eu vou apresentar, vou ter coragem e eu vou. Para dar mais visibilidade também ao tema e aos garis’”, destacou.

Apesar disso, Deninho, como é conhecido pelos amigos, contou que nem sempre “vestiu a camisa” da profissão. Segundo o formando, no começo do curso, em 2014, a vergonha e o receio fizeram que ele demorasse cerca de um ano para compartilhar a experiência com os colegas e professores, no campus de Guarabira.

“Depois eu percebi a importância social que tem a profissão. Hoje me identifico com ela e gosto do que faço. Eles [os colegas e professores] ficaram felizes. Ficaram ‘ah, que massa a sua história’. Até hoje eles se surpreendem, antes mesmo dessa repercussão eles já vibravam com meu TCC”, afirmou.

Ednilson, a esposa Thaís e a filha Laís, de 2 anos de idade. Foto: Dje Silva | Ednilson Silva | Arquivo pessoal

A preocupação do estudante era que os colegas de classe fossem preconceituosos com a profissão dele. “Quando você entra na universidade, você fica meio acanhado. Mas depois eu disse com o que eu trabalhava e o que eu gostava de fazer e fui perdendo a vergonha”, explicou. Seu exemplo primordial é o pai, Miguel Martins da Silva, 60 anos, que com muito vigor, ainda segue na profissão de gari. A irmã de Ednilson também batalhou e conseguiu formar-se em enfermagem.

Ednilson relatou que concluiu o ensino médio em 2006, mas não alcançou a nota necessária para ingressar em um curso superior naquele ano e nem na tentativa seguinte. Após isso, decidiu se dedicar aos concursos públicos.

Ele fez várias provas, para diferentes cargos e em diversas cidades, até decidir, ainda que relutante, tentar seguir a carreira de gari, trabalho já realizado pelo pai dele.

“Eu fiquei pensando: meu pai é gari, me sustenta até hoje, a gente vive do salário dele como gari. Um trabalho digno, honesto. Eu digo ‘vou fazer (o concurso) pra gari também, que eu tenho mais chances’. E depois [de aprovado] eu comecei a gostar da profissão. No começo eu tive vergonha, ficava meio acanhado”, afirmou.

Ednilson, família e amigos, na defesa do TCC dele, em Guarabira (PB). Foto: Dje Silva | Ednilson Silva | Arquivo pessoal

Durante o curso, Deninho precisou conciliar o emprego de manhã com os estudos à tarde, além da vida em família. Ele comentou, que a tarefa não foi nada fácil.

“No começo não foi muito bom, não. Tinha essa carga de leitura, eu estava meio enferrujado. Comecei patinando, devagarinho, mas fui me acostumando, aí depois você desenrola, vai conseguindo, levando. E eu sempre gosto de ler, principalmente história. Eu acho que foi o curso perfeito”, salientou.

De acordo com Ednilson, em meio às leituras, ele se deparou com um autor que chamou atenção e o fez abrir os olhos para a realidade que vivia. “Com o passar do tempo, eu fiquei pensando, eu digo ‘eu vou pesquisar alguma coisa sobre os garis’. E não encontrava nada, nada mesmo. Eu digo ‘caramba, ninguém fala sobre os garis’. Aí encontrei uma matéria falando sobre um cara chamado Fernando Braga da Costa”, disse.

A obra encontrada por Deninho foi o livro “Homens invisíveis — Relatos de uma Humilhação Social”, do autor que tem mestrado e doutorado voltados para o tema que o gari desejava estudar. Os relatos de Fernando encantaram Ednilson. “Então eu digo: nada melhor do que o próprio gari falar o que sente, o que passa”, contou.

Com o auxílio da orientadora, Verônica Pessoa, o formando desenvolveu o estudo, que recebeu o título de “Trabalho e desigualdade social na contemporaneidade: reflexões sobre os agentes de limpeza pública”. Para isso, entrevistou 10 profissionais atuantes e, com eles, compartilhou as experiências.

Segundo ele, por mais introdutório que seja, o trabalho tem a proposta de “plantar uma semente” e de trazer à tona o debate sobre a importância social desses profissionais, a valorização econômica e a necessidade de melhorias na qualidade do trabalho. “Fazer com que as pessoas vejam. Deem um bom dia, uma boa tarde, atenção”, frisou.

Um dos sonhos de Ednilson é que o trabalho possa, um dia, virar um livro, para que as pessoas conheçam não somente a história dele, mas de todos os personagens que fizeram parte do estudo e são invisibilizados cotidianamente.

Nota máxima

No trabalho defendido na UEPB, Ednilson quis dar voz aos garis — Foto: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal
Ednilson defendeu no seu TCC o tema: Trabalho, Desigualdade Social na Contemporaneidade: reflexões sobre a invisibilidade dos agentes de limpeza pública. (gari)a “invisibilidade” dos agentes públicos de limpeza. Foto: Dje Silva | Ednilson Silva | Arquivo pessoal

Com nota máxima em seu TCC, Ednilson sente-se feliz em saber que sua história de vida encoraja e serve de exemplo para tantas pessoas que sonham em dar grandes passos na vida.

“Eu fico muito emocionado. Quando eu me propus a vestir a farda de gari era pra dar mais visibilidade a minha classe que trabalha aqui na minha cidade, mas nunca imaginei que ia chegar tão longe. Como minha professora diz, foi um trabalho individual que ganhou dimensões coletivas. Eu quero que a cidade tenha consciência do papel social do gari, pra que melhore a nossa qualidade de vida”, enfatizou.

Inspiração e aprendizado

O pesquisador Fernando Braga foi um dos grandes inspiradores para o trabalho final de Deninho. A pesquisa “Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública”, dissertação de mestrado de Fernando Braga, também busca discutir a questão da invisibilidade pública.

O estudo é uma percepção humana sobre a divisão social do trabalho e o olhar mecânico de enxergar apenas a função, e não a pessoa. O psicólogo Fernando Braga da Costa defendeu seu mestrado no Instituto de Psicologia (IP) da USP em novembro de 2002.

Fernando ressalta que essa atitude é uma prática resultante das diferenças sociais nas diversas classes existentes. Segundo ele, quanto mais próximo se está da pessoa, mais consciência sobre essa invisibilidade pública se tem. O resultado do distanciamento, segundo o pesquisador, é que pessoas passam a ser entendidas como coisas, chegando a ser imperceptíveis.

Fernando Braga trabalhou durante cinco anos como gari, durante o a pesquisa de campo, no mínimo meio período, de um a três dias por semana no campus da Cidade Universitária de São Paulo. Nesse período, ele cursava o segundo ano da faculdade.

Papel do historiador

Ao relacionar o TCC com o curso de história, Ednilson afirmou que é papel do historiador “tornar o invisível real e audível”, para que novos personagens possam ser conhecidos e lembrados.

“Eu fico feliz porque hoje eu estou tendo a oportunidade de falar, de ser a voz, de ser o rosto de tantos garis Brasil afora, que são invisíveis socialmente”, destacou.

Imagem destacada. De farda: gari apresenta trabalho de conclusão em história na UEPB. Foto: Dje Silva | Ednilson Silva | Arquivo pessoal

Com informações: OP9 / G1 PB

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