Inaugurado primeiro Centro de Medicina Indígena na Amazônia

Longe dos medicamentos industriais ou manipulados, a natureza produz cura e alívio.

Os povos indígenas do Alto Rio Negro, no extremo norte do Amazonas, contam agora com um espaço onde os Kumuã, especialistas que dominam o conhecimento de Bahsese (benzimento) irão oferecer atendimento.

O primeiro Centro de Medicina Indígena da Amazônia foi inaugurado no dia 6 de junho, em Manaus.

No ambiente chamado de Barserikowi’i, objetos e artesanatos indígenas fazem parte da decoração que busca manter as tradições da etnia. Uma mesa e dois pequenos bancos feitos de madeira e palha compõem a sala de atendimento.

Redes e objetos do artesanato indígena foram trazidos para o local. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

O Centro funciona das 9h às 13h. A consulta custa R$ 10,00 e o valor do tratamento depende do tipo de enfermidade diagnosticada.

No espaço também são oferecidas oficinas e palestras de culinária, de línguas e cosmologia, com o apoio do Núcleo de Estudo da Amazônia Indígena (NEAI), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Entre os Kumuã que atuam no Barserikowi’i está Manoel Lima, da etnia Tuyuka, de 85 anos. “Eu estou muito feliz, esta é a nossa vida, assim que nós vivemos, estes são nossos conhecimentos. Essa casa representa isso, é porta-voz dos nossos conhecimentos”, disse o especialista em dores musculares e de cabeça, tratamento pós-parto e pós-cirúrgico.

João Paulo Barreto, Ivan Barreto e o Kumu Duhpó Manoel Lima. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

O espaço foi idealizado por João Paulo Barreto, da etnia tukano, doutorando em Antropologia pela UFAM.

O projeto foi iniciado a partir de experiências pessoais e acadêmicas. “Estamos começando um trabalho, um modelo diferente daquele que a gente está acostumado a ver quando se fala de saúde, que é o modelo ocidental, de hospital. Aqui é um modelo pautado dentro dos nossos princípios. As pessoas vão ter a oportunidade de se tratar com as técnicas e as concepções indígenas”, ressaltou.

O antropólogo é filho do Kumu Ovídio Barreto, também da etnia Tukano. Durante três meses, ele atuou como voluntário no tratamento de indígenas no Hospital de Medicina Tropical, em Manaus. Junto com Manoel Lima somam décadas de experiência.

O prédio onde funciona o centro pertence à Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e foi cedido para o projeto Bahserikowi´i.

Medicina indígena

Kumu Duhpó Manoel Lima, da etnia Tuyuka, especialista do Bahsese. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

As técnicas de tratamento são feitas através do Bahsese e das plantas medicinais. “Bahsese é esse modelo que é acionado dentro de um elemento, pode ser água, tabaco, cigarro, urtiga, no qual o Kumu, ou benzedor, aciona os princípios curativos contidos nos vegetais. Quando ele faz isso, ele não está rezando, ele está evocando esses princípios para curar doenças. Por isso, ele tem que dominar o conhecimento de animais e vegetais”, explicou João Paulo Barreto.

O conhecimento do Kumu sobre o Bahsese é adquirido ainda na infância, quando recebe o poder de seus pais, tios e avós.

De acordo com o antropólogo, os Kumuã já têm o manual e as fórmulas do Bahsese, a partir dos quais dominam conceitos fundamentais e a origem das doenças.

Kumu em atendimento a uma visitante do Barserikowi’i. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Segundo o conhecimento dos povos do Alto Rio Negro, em particular nas tradições da etnia dos Tukano, as doenças têm origens diferentes. Algumas podem ser causadas pela ação de Waimahsã, humanos invisíveis que habitam os domínios aquáticos, aéreo, terrestre e da floresta e com o qual é preciso estar sempre em diálogo, negociação e se protegendo.

“O Kumu sabe quando e como a pessoa foi atacada pelo Waimahsã. Muitas vezes dá dores musculares, dores na coluna e dores de cabeça”, explicou Barreto.

Experiência familiar

Os kumuã, intelectuais indígenas, do Rio Tiquié reunidos com integrantes da UFAM. Foto: Aloísio Cabalza/ISA

Quando Luciane Trurril Barreto, na época com 12 anos, teve sua perna direita picada por uma cobra jararaca, na comunidade São Domingos, em São Gabriel da Cachoeira, os médicos do Hospital João Lúcio, em Manaus, decidiram amputar a perna da menina. Os familiares da sobrinha de João Paulo Barreto não permitiram. Alegaram que o tratamento indígena ajudaria na cura. A direção do hospital negou.

Os parentes retiraram a menina do hospital mesmo assim e a levaram para uma casa de saúde, onde recebeu atendimento dos Kumuã. O Ministério Público Federal teve que intervir no caso. O órgão recomendou ao hospital aceitação do tratamento conjunto, o que foi recusado.

A garota foi transferida para o Hospital Universitário Getúlio Vargas, onde a direção da unidade descartou a amputação e autorizou o tratamento simultâneo. A previsão de cura de seis meses terminou com a alta de Luciane em um mês.

Serviço

Centro de Medicina Indígena da Amazônia

Local: Rua Bernardo Ramos, 97 – Centro, Manaus/AM

Horário: segunda a sexta das 9h às 15h

Contatos: (92) 9 9271-7500 / 9 8249-5991

Com informações: Amazônia Real / Agência Brasil

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